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Inter-relação entre pais, atletas e treinadores

A família tem um papel fundamental no processo de crescimento, educação e desenvolvimento de seus filhos, e no esporte não é diferente. No esporte, a relação dos familiares tem influência direta no rendimento e motivação de seus filhos na modalidade em que está inserido.

A inter-relação entre pais, atletas e treinadores tem de ser transparente, saudável e que seja em prol do bem-estar e desenvolvimento do aluno.

De acordo com BECKER estudo, o pai é a figura que tem maior influência no ingresso da criança no esporte. A conduta dos pais diante da participação de seus filhos no esporte, tem relação direta com a qualidade da participação da criança na atividade esportiva. É comum que os pais criem expectativas em seus filhos, por enxergar uma possível realização que não foi possível a ele, ou até mesmo por enxergar o filho como um ativo que pode transformar a vida socioeconômica da família. Devemos sempre nos lembrar que o principal interesse é do aluno que está inserido na prática esportiva, mas em alguns casos, não é o que acontece.

O primeiro ponto de destaque nessa situação é compreender qual o real interesse da criança, qual esporte ela quer praticar, atendendo suas expectativas e necessidades, sendo ela responsável pela escolha de seu esporte, assim, fazendo algo que lhe interessa. Mas infelizmente, alguns pais inserem seus filhos em um esporte sem consultá-lo, muita das vezes não há um critério para a escolha da atividade, fatos comuns são dos pais quererem inserir em certa modalidade, pelo seu maior interesse pessoal, e/ou pelo motivo de que aquele horário os pais tem compromissos profissionais ou sociais impedindo-os de ficar com a criança, dessa maneira, as escolinhas de esporte passam a ser “depósitos de crianças” conforme citado por pesquisador como Becker.

O envolvimento dos pais no esporte

De acordo com a literatura científica o envolvimento dos pais no esporte pode ser considerado em três etapas diferentes: o subenvolvimento, o envolvimento moderado e o superenvolvimento.

O subenvolvimento pode ser considerado como a falta de comprometimento emocional, financeiro ou funcional dos pais, que tem relação com a falta de comparecimento nos treinos, nos jogos, eventos e pouquíssimo contato com os treinadores. No envolvimento moderado, são os pais que dão suporte necessário a seus filhos, orientam, estabelecem metas realistas e ajudam financeiramente. E no superenvolvimento são os pais que excedem os limites de sua participação diante da vida esportiva de seus filhos, colocam seus desejos e necessidades criando expectativas e pressões desnecessárias.

Perfis de Pais e mães de jovens esportistas

Podemos também comprender na literatura científica que os perfis de pais podem influenciar o desenvolvimento. Pais desisteressados, por exemplo, levam o filho ao esporte como uma forma de ocupar o tempo da criança, inscrevendo-a em atividades sem preocupar-se se o filho aprecia ou não. Eles vêem no técnico uma espécie de “babá”, delegando a ele a obrigação de cuidar da criança. Como consequências, são apontados não apenas uma grande possibilidade de abandono ao esporte, como também futura intolerância à modalidade escolhida pelo pai.

Os pais mal-informados conduzem o filho ou filha à prática esportiva, com uma primeira conversa com o técnico, mas não participa mais do processo.

Já os pais exaltados, tendem a participar ativamente do cotidiano do seu filho no ambiente esportivo, colaborando de forma adequada com o técnico. Entretanto em situações competitivas, é comum que torçam de forma exagerada, dirigindo palavras inadequadas aos árbitros, prejudicando o ambiente e constringindo seus filhos; ressalta-se que é comum que os pais não se percebam como inadequados.

E por fim, temos os pais fanáticos. São considerados os mais problemáticos, por esperarem dos filhos atitudes de “heróis no esporte”. Estão sempre insatisfeitos com o desempenho da criança e interferem no processo de preparação, cobrando excessivamente e gerando pressões sobre o filho. Se exaltam facilmente com as decisões dos árbitros e atitudes do técnico, gerando hostilidade e perturbação no ambiente, podendo desfazer a relação de prazer da criança com o esporte.

A motivação para prática esportiva

A motivação pode ser definida como uma força interior, impulso, intenção que leva a pessoa a fazer algo ou agir de certa forma, e que afeta a compreensão da aprendizagem de habilidades, motoras devido a seu papel na iniciação. A motivação é um fator determinante quando um indivíduo quer realizar algo segundo estudos de Fonseca e Stela.

A forma como os pais se portam durante as competições irá despertar uma reação na criança. Em caso de reações negativas, comentários infelizes podem intereferir diretamente no desempenho da criança. Alguns exemplos de relatos de jovens no esporte são como esses:

“Um dos únicos dias em que via meu pai era no sábado, quando ele vinha me ver jogar futebol. Mas isso me deixava nervoso, pra dizer a real. Meu pai era meu herói. E, no começo, ele me cobrava muito. Às vezes, ele até mesmo dizia: “Tô cansado de ver você perder. Você pode comer mais um hambúrguer hoje, mas só se o seu time ganhar”.

[…] Ficava tão agitado na noite anterior aos jogos que tinha dores de estômago e começava a vomitar. Eu tinha dor de cabeça e febre às vezes e não conseguia dormir. Quando eu jogava, ao invés de jogar “leve”, eu me preocupava em estragar tudo. Sempre que eu jogava um jogo pra valer, era como se meu coração estivesse sempre batendo mais rápido. Era um bloqueio psicológico.

Em entrevista ao The Players Tribune, Bruno Guimarães, jogador da seleção brasileira, relata sobre a cobrança excessiva que seu pai lhe fazia:

[…] o meu treinador, Mário Jorge, estava assistindo do lado de fora com o pessoal mais velho. Depois do jogo, ele entrou na quadra e disse: “Bruno, deixa eu te perguntar uma coisa: Por que você nunca joga assim quando é pra valer?”.

Eu respondi: “Não sei o motivo. Não fico à vontade. É complicado”.

Ele disse: “Preste atenção, não fica preocupado. Jogue como se fosse para se divertir e veja o que acontece”.

Depois disso, conversei com meu pai e disse a ele a verdade. Pedi pra ele parar de me pressionar tanto quando eu jogava, porque estava me deixando muito tenso. Quando é seu herói pressionando você, às vezes, é demais. Graças a Deus meu pai aceitou numa boa e a partir daquele dia tudo mudou.”

Estudo de Barbantei, cita que motivar e apoiar os filhos, sem forçá-los na modalidade esportiva; concentrar-se na dedicação e esforço mais que no resultado final dos jogos; ensinar que a honestidade vale mais que a vitória em si; não ridicularizar os erros do filho; aplaudí-los; lembrar que seus filhos participam do esporte para seus próprios interesses e alegria e não para a sua; não questionar a decisão ou honestidade do árbitro em público; reconhecer o valor e apoiar os treinadores; todos esses comportamentos citados, são comportamentos que ajudariam no desempenho, satisfação e continuidade de seus filhos na prática esportiva.

Por fim, o principal ponto desta relação entre pais, atletas e treinadores é que o principal é o jovem, toda atitude a ser tomada tem de ser pensada em prol do bem-estar dele ou dela, da satisfação na prática na modalidade, na motivação, ajudando-os em seu desenvolvimento, crescimento e educação, tudo de uma forma saudável. E entender que o sucesso no esporte infantil não está atrelado ao resultado de uma partida, ao desempenho esportivo, a vitória no esporte infantil se conquista todos dias, dando liberdade e autonomia a criança, para desenvolver seu real potencial, se autoconhecer, conhecer seus limites, brincar, se divertir , sociabilizar, tudo de uma forma leve e lúdica, mantendo o prazer, satisfação e alegria na prática esportiva.

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Gabriel Santiago atualmente é professor de futebol no Esporte Clube Pinheiros

REFERÊNCIAS

Almeida, Dione, and Rafael Machado de Souza. “A influência dos pais no envolvimento da criança com o esporte durante a iniciação esportiva no futebol 27 em uma escolinha de Campo Bom-RS.” RBFF-Revista Brasileira de Futsal e Futebol 8.30 (2016): 256–268.

https://www.rbff.com.br/index.php/rbff/article/view/422

Barbanti, Valdir J. Formação de esportistas. Editora Manole Ltda, 2005

BECKER JR, Benno, and Elenita TELÖKEN. “A criança no esporte.” Especialização esportiva precoce: perspectivas atuais da psicologia do esporte. Jundiaí, SP: Fontoura (2008): 17–34.

https://pt.everand.com/book/438630660/Especializacao-esportiva-precoce-perspectivas-atuais-da-psicologia-do-esporte

Fonseca, Gerard Maurício Martins, and Erika Spritze Stela. “Família e esporte: a influência parental sobre a participação dos filhos no futsal competitivo.” Kinesis 33.2 (2015).

https://periodicos.ufsm.br/kinesis/article/view/20723

Moraes, Luiz Carlos, André Scotti Rabelo, and John Henry Salmela. “Papel dos pais no desenvolvimento de jovens futebolistas.” Psicologia: reflexão e crítica 17 (2004): 211–222.

https://www.scielo.br/j/prc/a/ZcdcVGpBB6KLwybtRHVKVZh/?lang=pt&format=pdf

PAES, R. R., FERREIRA, H., GALATTI, L., & SILVA, Y. (2008). Pedagogia do esporte e iniciação esportiva infantil: as inter-relações entre dirigente, família e técnico. Especialização esportiva precoce: perspectivas atuais da psicologia do esporte. Jundiaí: Fontoura, 49–66.

https://pt.everand.com/book/438630660/Especializacao-esportiva-precoce-perspectivas-atuais-da-psicologia-do-esporte

https://www.theplayerstribune.com/br/posts/carta-bruno-guimaraes-brasil-newcastle-premier-league